02 setembro 2009

Último Dia - Síndrome de Estocolmo

Pre Scriptum: Essas são as impressões da experiência de uma semana sem falar. O Caderno Amarelo foi onde escrevi, quando precisei me comunicar com alguém. Se tu não leu nenhum post, começa pelo primeiro dia :)




Não consigo escrever sobre ti, Dia. Tu é o último, é tão importante. É tão difícil botar uma letra atrás da outra, elas parecem tão fracas quando ainda sozinhas. Foi difícil conviver contigo. Tu tava nervoso, querendo acabar. Eu só pensava em falar logo, até me dizerem: "Bah, qual será a primeira palavra que tu vai falar?!". Já era. Eu, no meio da expectativa dos amigos presentes, comecei a planejar frases: "Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a humanidade", disse o primeiro homem na lua. "Vamos proteger as criancinhas", disse o Pelé no milésimo gol. "Vou ver o que me vem na hora", disse o Romário sobre o que falaria depois do seu milésimo gol. Não veio nada pra ele. Nem pra mim. Simplesmente nada. Só uma boa sensação: a de estar livre. O poder falar. Mas falar, não falei. Fiquei preso entre duas perguntas: "Isso que tô pensando em falar, é digno de ser a Primeira Dama, a primeira palavra?" e "Ela é verdade, natural, ou forjada, cinzenta?". E quando se pensa na primeira pergunta, a segunda já foi respondida. Verdade de verdade não tem ensaio. Improvisa.
Não falar com tantos dos teus irmãos, Dia, me fez criar filtros do que valia a pena ser escrito ou não. Do que era verdade ou não. Quando fui falar, nada era verdade. Nada valia a pena. Falei só com teu irmão, o Amanhã, quando tomei café com ele no postinho da esquina. É verdade que cantei, bem baixinho, como Buarque em ditadura, antes disso. Mas minha primeira frase mesmo foi um mero "Tudo bem?", ali pra moça que atende no banco dos pães. Foi a primeira palavra que me veio sem julgamento, sem aquecimento, sem ensaio.

Última página do Caderno.

Descobri esses dias, Dia, que nos tempos que teu tatatatatatataravô vivia, nos meus 4 anos, quando minha mãe me disse que ia separar-se do meu pai, eu só tive uma reação: fiquei mudo por dias. É isso, então? Tu é filho daquele dia? Todos dias são filhos de outros dias? Cada um descende e repete um parente distante? Sim. Sim. E sim. O maior clichê do mundo é o maior por ser correto: da infância, tudo vem. Como os meios dos inícios. As plantas das raízes. Armstrong estava certo, o pequeno passo define o salto. Dá medo, porque parece que a gente não tem controle sobre nossa própria vida. Mas da mesma raíz, crescem folhas diferentes. Das mesmas dificuldades, crescem escolhas diferentes. Optar é o único bote salva-vidas no meio do mar revolto dos acasos. Eu vou, então, obedecer o Pelé, vou proteger as criancinhas. Tomar cuidado como se elas fossem um quadro em branco. A cor que eu escolho nos primeiros traços deixará como opção só alguns tons, os combinantes. E elas, algum Dia, vão ter que optar e pintar a si mesmas. Os grandes amores vão sujar a tela inteira de vermelho, os grandes livros vão ser entalhados na moldura. Depois de ser quadro feito, é difícil deixar alguém fazer sequer um tracinho na nossa vida. Espero que quem esteve por aqui comigo tenha se deixado pintar, pelo menos um pouquinho, de amarelo.

12 comentários:

  1. "A cor que eu escolho nos primeiros traços deixará como opção só alguns tons, os combinantes" PUTA QUE PARIU É BEM ISSO. por que eu escolhi marrom com verde no meu quadro? tá foda o negócio lá.

    final ótimo e reflexivo. Não deixo ninguém sem envergadura traçar um risco no meu quadro, mas vocês estão todo dia me colorindo. Um dia tu vai perceber o quanto eu valorizei essa leitura.

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  2. Teu quadro é bonito, Mathew eauheuah Valeu, meu. :)))

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  3. me inspirou.
    e me fez pensar no meu próprio quadro, e nas cores que ele tem.
    acho que é isso que os poetas fazem.

    p.s.: hahaha lembro da clarissa carvalho

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  4. Que afudê, Lew :)

    PSR: eeuahaieuhae sempre achei que ela ia virar uma gostosa, só era séria demais pra nossa idade. Enfim, como será que ela tá? Clarissa? Tá por aqui?! Clarissa?

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  5. Li e reli. Fiz várias associações com coisas que estudei, olhei, vivi... Mas a frase espontânea que veio sem ensaio foi: "Que lindo, Ricky!"
    bjos

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  6. Brigado, Julia. Tu foi a minha primeira leitora, eu diria. Aquela que me fez sentir um pouquinho escritor já que não tinha motivo pra voltar aqui, voltava simplesmente pelo amontoado de letras. Fiquei tri orgulhoso :) Beijo e brigaudo.

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  7. Vi que já tinha lido antes de tu mandar a mensagem fatídica dizendo que tu tinha postado o último post do caderno amarelo. o caderno deixou um pouco em mim, principalmente a parte de cativar.

    Abraço e até a próxima aventura intelectual.

    Marcos

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  8. Haeuheauhe que bom :) Tem que ver as fotos do fim-de-semana, tua cara de feliz, em várias fotos, é memorável! Beijot

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  9. como vou ver? me manda por email, bastard...
    mrc.becker@gmail.com ou uploadeia em alguma porra tipo google fotos, google pictures, ou google fucking shit...

    Vamos combinar um almoço essa semana.
    Abraço
    Marcos

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  10. Olá, Ricardo!
    Gostei muito do Caderno Amarelo. A conversa com o "Dia" foi genial e as reflexões despretenciosas falam muito de todos nós. Tenho certeza que está aí um grande escritor, fazendo escolhas, colorindo a vida e se dirigindo para o amanhã com muita determinação.
    Grande abraço!
    Sandra Stechman

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  11. Brigado, Sandra! Ainda nos encontraremos por aí, no caminho das letras. Beijos.

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  12. Corajoso, sangue no olho e curioso.

    É isso, Rick, issso foi além de uma experiencia própria.

    Fiquei sabendo que tu ''tocou'' muita gente sem falar nenhuma letra e consegui te conhecer bastante depois de tudo isso.

    Abraço,

    ChristianPiva

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