04 agosto 2009

Dia 6 - Três mundos

Pre Scriptum: Essas são as impressões da experiência de uma semana sem falar. O Caderno Amarelo foi onde escrevi, quando precisei me comunicar com alguém.

O Caderno Amarelo não amarelou. Foi pra noite. Primeiro, aniversário de um amigo aqui no salão de casa. Depois, alguns de nós fomos ali no Ocidente, na Oswaldo Aranha. E noite, pelamor-de-Deus, é bicho estranho. Uma cruza de pavão com porco espinho. No primeiro passo no chão grudento de cerveja seca do Ocidente, todas as regras que valem no dia-a-dia, aqui, no noite-a-noite, mudam. Devo ter lido o nome do lugar errado, deve se chamar Oriente Médio. Tudo é tão apertado, que, pra conseguir um território só com ameaça nuclear estomacal. E a vaca, no dia-a-dia, excluída; dentro da noite é bicho sagrado. As mulheres usam suas burcas laranjas, de bronzeador e base. Os homens seguem religiosamente a lei do profeta Maomé: "Se pegares uma maoménos, estás no lucro". Vários casamentos aqui são arranjados, pelo MSN, e, obviamente, a monogamia é pecado. Enfim, as Xiinas vão para noite procurar a Torá, e os homens, ao chegarem lá, voltam-se totalmente ao lugar sagrado: à Xeca.
Tudo isso em temência ao Juízo Final, que ocorre normalmente na corte do McDonalds, onde todos são avaliados pelas ações que praticaram e pelos pecados que, se deram sorte, cometeram.



Não quero cuspir no prato em que comi, acho que a noite, às vezes, acode os carentes, eleva a auto-estima, e isso é bom. Se tu ainda não está procurando ninguém além de si mesmo, a noite é um bom lugar. Mas ela é uma poesia curta, de um verso. Um verso desesperado, que, querendo rimar logo, rima o início ao fim com a mesma palavra, o mesmo sentimento: solidão.

"E foi então que apareceu a raposa :

- Bom dia, disse a raposa.

- Bom dia, respondeu polidamente o príncipezinho, que se voltou, mas não viu nada.

- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...

- Quem és tu? Perguntou o príncipezinho. Tu és bem bonita...

- Sou uma raposa, disse a raposa.

- Vem brincar comigo, propôs o príncipezinho. Estou tão triste...

- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.

- Ah! Desculpa, disse o príncipezinho.

Após uma reflexão, acrescentou :

- Que quer dizer "cativar"?

- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?

- Procuro os homens, disse o príncipezinho. Que quer dizer "cativar"?

- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?

- Não, disse o príncipezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços..."

- Criar laços?

- Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

- Começo a compreender, disse o príncipezinho. Existe uma flor... Eu creio que ela me cativou...

- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...

- Oh! Não foi na Terra, disse o príncipezinho.

A raposa pareceu intrigada :

- Num outro planeta ?

- Sim.



- Há caçadores nesse planeta ?

- Não.

- Que bom! E galinhas ?

- Também não.

- Nada é perfeito, suspirou a raposa.

Mas a raposa voltou à sua idéia.

- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe :

- Por favor... Cativa-me! Disse ela.

- Bem quisera, disse o príncipezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!

- Que é preciso fazer? Perguntou o príncipezinho.

- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas, cada dia, te sentará mais perto...

No dia seguinte o príncipezinho voltou.

- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta a agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.

- Que é um rito? Perguntou o príncipezinho.

- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!

Assim o príncipezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou à hora da partida, a raposa disse :

- Ah! Eu vou chorar.

- A culpa é tua, disse o príncipezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

- Quis, disse a raposa.

- Mas tu vais chorar! Disse o príncipezinho.

- Vou, disse a raposa.

- Então, não sais lucrando nada!

- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

Depois ela acrescentou :

- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo.

Foi o príncipezinho rever as rosas :

- Vós não sois absolutamente iguais a minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.

E as rosas estavam desapontadas.

- Sois belas, mas vazias, disse ele ainda: não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o para vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.

E voltou, então, à raposa :

- Adeus, disse ele...

- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

O essencial é invisível para os olhos, repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar.

- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez tua rosa tão importante.

- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... Repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar.

- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...

- Eu sou responsável pela minha rosa... Repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar."
Le Petit Prince, conto de Saint-Exupéry, baseado em sonhos reais.

Enfim, se quiser apprivoiser, cativar e ser cativado, procure a tua flor. Talvez ela esteja te esperando no teu planeta e não no Oriente Médio.

11 comentários:

  1. Esse entre aspas é só um capítulo do O Pequeno Príncipe, eu recomendo ler todo : )

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  2. 1. hahahahahaaahhhahahaha
    2. casa comigo?

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  3. Haeuhaeuheauh Até que enfim! Esse era o meu único obejtivo com a escrita!

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  4. somos todos vazios por fora, afinal.

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  5. euhuahea Exato. E pode tentar o quanto quiser, o copo nunca fica cheio por fora.

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  6. li tudo. vou me lembrar dessa história.

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  7. Boa, Marcci ;) Ela vai te ajudar que eu sei. Aliás, tu é muito fácil de ser ajudado, um cara muito aberto(não no sentido bíblico).

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  8. e aí, no atualizations?

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  9. Tô tendo problemas técnicos, mas postarei em breve. Tua ansiedade é um elogio, brigado :)

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  10. mas era uma cartola ou uma pyton que comeu u elefante?

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  11. Acho que era uma cobra com um chapéu gigante.

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